Exegese Literária acerca do livro de poesia “Em Silêncio”, por Doutor Martinho Soares.


Exegese Literária acerca do livro de poesia “Em Silêncio” de Carla Furtado Ribeiro, Chiado Editora, Lisboa, 2013.

Dizer muito com poucas palavras é próprio da poesia. A estratégia poética reside, em grande medida, no poder de síntese, na capacidade de concentrar num símbolo verbal um feixe de sentidos, na mestria com se reveste de opacidade e ambiguidade, abrindo ao leitor múltiplas vias de sentido. Tudo isto contribui para que a poesia lírica resulte parca nos significantes e prolixa nos significados. E é porque ela é por natureza mais implícita do que explícita, que o poema procura mais sugerir do que definir, implicar do que explicar. Implica o leitor: o seu campo de experiências e o seu horizonte de expetativas, a sua cultura sedimentada e o seu dinamismo interpretativo. A poesia, como resultado da perceção e contemplação do quase invisível e do universal, oculto no sensível e no particular, não pode ser ostensiva: a sua polpa guarda o mistério, o quase indizível, o âmago dos seres e das circunstâncias. Eis porque o silêncio devém matéria matricial dos poemas. Basta olharmos para a poesia portuguesa contemporânea para percebermos um certo fascínio pelo tema; muitas vezes apresentado em tons disfóricos, com traços de ceticismo, mutismo, descrença, se não mesmo de indiferença e neutralidade. Não assim o silêncio entre parêntesis retos da Carla Furtado Ribeiro. Dentro dos parêntesis retos germina um silêncio criativo e criador, ativo e meditativo, em cujas margens se propicia a palavra poética que a autora cultiva com primorosa paixão e acrisolada sensibilidade estética.
Em silêncio é o título que marca a estreia fulgurante e muito promissora desta jovem poetisa, que é simultaneamente mulher de letras e de leis.

Carla Furtado Ribeiro, "Tu Minha Árvore Sem Nome"

Klint, painting


TU MINHA ÁRVORE SEM NOME 
Tu
minha árvore sem nome, história sem tempo
meu leito de abandono e deserção, 
Raiz
Adventícia da esplendorosa Primavera em gestação. 
Folha
seminal, trifoliada, oval, orbicular, lobada,
folha de ouro, herança de à terra vinculada. 
Âmago
de todas as luminescências que me habitam
crepúsculos incandescentes, impossíveis que me invitam.
mas, tu, agora gota, agora água, agora arco-íris diluído em mágoa, 
agora água-régia que embriaga e dissolve em aquarelísticas imagens 
esta paz cruciforme das paisagens.
Recantos
de pureza inesperada, são teu berço, teu braço, 
teu insólito regaço, meu céu debutante e sem cansaço.

Oh natureza curvilínea,
de cíclicos e solenes retornos sobre a terra! 
Só tu,
sempre estas águas, mansamente debruçadas
sobre minhas esquivas margens escarpadas…



Carla Furtado Ribeiro, "De palavras se escreve amar"


de palavras
se escreve amar
que amar cegue
de luz palavras
que de palavras
breve escreve
o ser de não ser
senão palavras

mas se de palavras
amar se escreve
que de folhas brancas
vida leve
o que de palavras
breve
e reste apenas
o ser no ser
de existir
no princípio do Verbo
que no princípio
O era e para sempre
Ser



Sessão de Apresentação e Autógrafos em Coimbra .

O Livro de Poesia "Em Silêncio" de Carla Furtado Ribeiro, Chiado Edit. Lx. 2013, será apresentado pelo Professor Doutor Martinho Tomé Martins Soares, Mestre e Doutorado em Poética e Hermenêutica pela Universidade de Coimbra, no próximo dia 25 de Out. pelas 18h30 no emblemático Café Santa Cruz, em Coimbra.

Esta Sessão é promovida pela Bertrand Livreiros.

Convido-vos a estarem presentes.


J. L. Silva , "Os dias parecem tão iguais"


Os dias, esses pássaros amarelos,
parecem tão iguais
Parecem indiferentes ao bem e ao mal
os dias que nascem solitários 
do outro lado do círio aceso da aurora
e da vida que se debruça à janela
Um vento leve leva as palavras,
sonolentas,
sem nehum destino
É cedo para que se diga
que a vida não vale nada
É cedo para se bater à Porta da Verdade
É tarde para se apagar o antigo nome,
o antigo e inelutável sonho

Os finais de tarde apagam-se em azuis 
e dourados,
tendendo a vermelho,
mas nem por isso descuida-se do gesto
que, lentamente, trará a noite imensa
sob a sombra de uma folha,
sob o aroma dos lírios
A noite estilhaça o vítreo 
incandescente das estrelas
e o céu, suspenso por cordões de marionete,
transborda de pontinhos úmidos de azul
e de eternidades 
Pululam estrelinhas na noite 
enquanto o poema espera 
pelo sensível momento da flor,
da rosa que se desvela em arabescos
prateados pela ternura da lua

É cedo para dizer que a vida é um breve 
e irremediável sonho inútil
que põe esta lágrima nos meus olhos,
deambulando pelas velhas ruas tímidas
e inauditamente tristes
É cedo para pedir à sina (esquiva) que
leve esta tristeza que me permeia
como o perfume de sândalo e de saudades
É cedo para tentar entender a fábula
contida no vento e no orvalho
que amanhece nas folhas e nas pétalas das flores

Viestes ver a manhã que apascenta
as brancas nuvens tecidas em mármore?
Viestes ver a manhã amarela
e os campos onde sonham os girassóis?
À noite eram outros os sonhos,
densos e sincopados
Na noite retinta assomam os olhos
medievos 
esquecidos no passado
A estrela cadente resvala pelo espaço
incendiando
o céu em seus rumores de brasas
calcinando o instante, 
marchetando os sonhos 
Faço o meu pedido, contundente como
o barro da infância,
inaudito como o murmúrio das noites
e o silêncio dos caminhos intangíveis
Só a estrela me ouve...
Ao meu pedido
e ao som dolente da flauta que vinha
com as noites incertas e silentes

Só a estrela...

Em palavras de criança tudo pode ser pedido enquanto a estrela cai


--
@J. L. Silva [ Todos os direitos reservados]

As palavras deveriam servir somente para dar forma e delineação ao silêncio. E cada palavra é como um pequeno marco ou um pequeno relevo ao longo de infindáveis caminhos planos e extensos, e vastas planícies.

Etty Hillesum


Esta tarde vi gravuras japonesas com o Glassner.
E de repente fiquei a saber:
é assim que eu quero escrever.
Com um espaço imenso à volta das palavras.
Detesto muitas palavras.
Quereria escrever somente palavras
organicamente inseridas num grande silêncio,

Al Berto, Diários


[…]
[Não posso continuar com coisas exteriores à minha escrita a perturbarem-me. Tenho de avançar rapidamente com o projecto que me obceca há muito. O tempo faz-se escasso.
Faz um frio de partir os ossos. Os dias cheios dum sol espantoso, uma limpidez que se vê a costa até ao Cabo Sardão. Às vezes desejaria ter sido pastor, homem transumante. Ir e regressar, com o sol e com as chuvas, ir e regressar sempre com o ciclo das estações…
Fiz 36 anos, hoje, acabaram-se para sempre algumas coisas, outras iniciam-se agora, só a juventude não se recomeça nem tem início hoje… Tenho de começar a habituar-me à grande desolação dos dias, sempre mais vazios, sem ninguém, porque assim o quis.
A partir de hoje tenho o tempo todo para escrever, para não fazer nada, envelhecerei calmamente. Tenho a certeza. Não há tempo, ainda bem!]

in «Diários», de Al Berto (11-01-1948 § 13-06-1997)

Ana Pinto, "Silêncio"


Vou dizer-te com silêncio.
Sim, silêncio, porque quando se está muito próximo
todos os sons perdem o sentido.
Nem a música,
nem a mais leve vibração te nomearia agora.

Tenho um feixe de electrões estancados
nos lábios, erradicando o erro da luz.
Poderia ter uma palavra, uma palavra pérola, pálida,
polida, porcelânica, poderia
ter um pequeníssimo sopro terso – mas não.
Precisamos do erro posterior
ao ocaso
para beber o silêncio por um copo
com o céu por abismo e a terra por céu.

Colho uma rosa à noite,
com uma colher, à voltagem e à ordem
onde se movimentam
as pétalas molhadas
do vapor da cúpula, uma rosa levemente cansada
de girar a sua cauda
e verto-a assombrosa e cuidadosamente
ao copo em fervedura azul:
Bebemos chá de rosas em silêncio.

Depois, no livro que está sempre
sobre o pano azul da mesa eu leio os versos,
tu lês os números -
E todo o oceano dos mundos
exala um perfume rubro a rosas
aquele perfume que arde sempre nas rosas
mais rubras. 

--
@Ana Pinto [Todos os direitos reservados] 

Carla Furtado Ribeiro, "Das Aves e das Manhãs"

Pintura:@Tiago Taron 

Eu sou a solene maciez do linho
A perturbante lisura das espadas
Eu sou a prenda, a pressa do caminho
Eu sou o cada dia renascer do nada

Eu sou a estreiteza imperfeita das levadas
Uma manhã de luzes sobre o trilho
De pó, de pedra, de destino. brilho.
Eu sou a intrepidez das aves mutiladas

Estranhamente eu sou e não sou, desdigo
Ser, não ser, não sei, persigo e desperto
Aqui. agora. só sei que estou contigo.



Carla Furtado Ribeiro, "Claire Matin"



CLAIRE MATIN

Sigo
rotas interiores
desenho
a tua ausência
e estou contigo
destino tatuado
em transparência
do teu ser
que me persigo

neste perigo de existir
sem desistir
me desatas e desmentes
de aparências
e no que não nasci
nasço contigo
e te amo de palavras
que não digo
mas que sabes
mas que inventas
e no que me inventas
eu me abrigo

desfaço-me de indefinições
e toda sou um rio
em uma “claire matin”
os pássaros pousando na manhã
são como seres que sobre-humanos existissem
e pressentissem o sobre-humano nós

e em penas se desfizessem cantos
em pétalas se colhessem flores
e este canto de vida é que embriaga
e no que me inventas não apaga
o que de não ter acontecido
mais se amou

desperta desse frio de ternura
e renasce de candura
… existir é brando…
… viver é puro…
e eu sou
a que no mundo
transfiguro
o pó de nada ser
no ouro precioso
das manhãs

@Carla Furtado Ribeiro, "Em Silêncio", Chiado Ed., 2013

Créditos
Poema: "Claire Matin" de Carla Furtado Ribeiro
Música : Saint Preux - Abigail
Vídeo: http://youtu.be/66o8xyy0bzw

Livro de Poesia "Em Silêncio", de Carla Furtado Ribeiro, Chiado Editora, Lisboa, 2013



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SINOPSE (Excerto)

"O título - "Em Silêncio" – pretende remeter para um silêncio de timbre meditativo, que é um meio e não um fim em si próprio. Um silêncio em cujo seio é possível cultivarem-se talentos e medir- se-lhes a força e a profundidade. Um silêncio de onde brotam, afinal, senão todas as palavras, pelo menos aquelas que a autora considera as essenciais. Um silêncio criativo no qual se aperfeiçoa a arte que se deseja manifestar, e que não é a ausência de nada, mas, antes, a presença de tudo quanto de belo se possa admirar, cultivar e expressar. Finalmente, é, também, um silêncio Habitado pelo que de mais elevado nos inspira e a que poderemos chamar Deus, Amor ou, simplesmente… Silêncio. " A autora.

"Da mais alta janela de minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos
Que partem para a humanidade"

Fernando Pessoa