Carla Furtado Ribeiro, "Arlequim"




geme a noite, noite escura e fria
ao luar, luar de prata e de cetim
luar que num passe de arlequim
se vai perdendo nas asas da ventania

geme a noite em raivas de silêncio
do tanto que deseja a luz do dia
e a aurora mansa em que adormece
é um tormento
pois quem ama não lhe basta a fantasia

geme a noite de medo e solidão
e cada homem uma noite traz assim
mas é no escuro que se vê com exactidão
aquela luz que se persegue até ao fim

é assim que a vida é a semeadura
da noite da espera da colheita
do inesperado que se aceita
o teu destino é sempre renascer
e ao romper o novo dia
novo sonho com ele há - de chegar
como mãos camponesas a rasgar
as entranhas das terras ressequidas
 


Carla Furtado Ribeiro
(poema musicado pela autora)


Versilibrismo

Literatura:  Escola moderna que se liberta das regras tradicionais da versificação e baseia a poesia no ritmo.

Ruy Belo, "As Casas"


Liza Lorenz

Oh as casas as casas as casas 
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
Elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
Respirei –
ó vida simples problema de respiração 
Oh as casas as casas as casas


A MÃO NO ARADO

Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará

Ruy Belo, "Helenamente"

Helena de Tróia segundo Evelyn de Morgan, 1898
 Helena de Tróia segundo Evelyn de Morgan, 1898

*
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
A maneira mais triste de se estar contente
a de estar mais sozinho em meio de mais gente
de mais tarde saber alguma coisa antecipadamente
Emotiva atitude de quem age friamente
inalterável forma de se ser sempre diferente
maneira mais complexa de viver mais simplesmente
de ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente
de estar num sítio tanto mais se mais ausente
e mais ausente estar se mais presente
de mais perto se estar se mais distante
de sentir mais o frio em tempo quente
O modo mais saudável de se estar doente
de se ser verdadeiro e revelar-se que se mente
de mentir muito verdadeiramente
de dizer a verdade falsamente
de se mostrar profundo superficialmente
de ser-se o mais real sendo aparente
de menos agredir mais agressivamente
de ser-se singular se mais corrente
e mais contraditório quanto mais coerente
A via enviesada para ir-se em frente
a treda actuação de quem actua lealmente
e é tão impassível como comovente
O modo mais precário de ser mais permanente
de tentar tanto mais quanto menos se tente
de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente
de estar mais no passado se mais no presente
de não se ter ninguém e ter em cada homem um parente
de ser tão insensível como quem mais sente
de melhor se curvar se altivamente
de perder a cabeça mas serenamente
de tudo perdoar e todos justiçar dente por dente
de tanto desistir e de ser tão constante
de articular melhor sendo menos fluente
e fazer maior mal quando se está mais inocente
É sob aspecto frágil revelar-se resistente
é para interessar-se ser indiferente
Quando helena recusa é que consente
se tão pouco perdoa é por ser indulgente
baixa os olhos se quer ser insolente
Ninguém é tão inconscientemente consciente
tão inconsequentemente consequente
Se em tantos dons abunda é por ser indigente
e só convence assim por não ser muito convincente
e melhor fundamenta o mais insubsistente
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
O mar a terra o fumo a pedra simultaneamente



Patxi Andion canta "Me esta doliendo una pena"....

Me está doliendo una pena y no la puedo parar y se revuelve en silencio tumba abierta en soledad y quiero hacerla cometa, para poderla volar. Me está ganando ésta pena y la quiero ceder y busca por ser palabra y es por hacerse entender en brazos de mi guitarra y la tengo que esconder y en mi guitarra quisiera dejar la pena llorar, hacerla surco en el tiempo hacerla tiempo en la mar. Ser con la mar un viento que se la pueda llevar. Me está doliendo ésta pena acuñada en el portal de éste vacío sonoro que no sabe a dónde va, de éste vacío que lloro por quererlo remediar, y en mi guitarra quisiera dejar la pena llorar romper la monotonía de éste pueblo en carnaval, de éste pueblo que me duele cada día más y más y es que es una inmensa pena que me tengo que callar. Me está doliendo una pena... y me tengo que callar...

Antologia de Poetas Contemporâneos, Chiado Editora, 2009

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Apesar de poder dizer como F. Pessoa:

“Ser poeta não é uma ambição minha
É apenas a minha maneira de estar sozinho”

…é com uma brisa de contentamento que anuncio o Livro 
que irá albergar alguns dos meus poemas. 
Há etapas felizes… 
Queiram, pois, desfrutar…