Carla Furtado Ribeiro, Tema Original / "Cassiopeia" de Orlando de Carvalho


Quando os cutelos de sombra
abordarem a planície
se te vierem dizer que eu te disse
que aquela flor lanceolada não resiste
como uma estrela fechada
como uma noiva deitada
à espera da madrugada mais verdadeira que existe
se te vierem dizer não olhes a cassiopeia
mas deita-te meu amor
na ponta de cada veia
e encosta o rosto na terra
que a lua fria incendeia
silva encostada ao silêncio
ouvindo a sombra do vento
sobre a areia
sobre a areia
sobre a areia…

Dostoiévski – "Os Irmãos Karamazov"

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Uma análise de Dostoyevsky a partir de “Os Irmãos Karamazov”:
“"Os Irmãos Karamázov" é o último livro de Fiódor Dostoiévski, sendo considerado por muitos críticos e leitores a melhor dentre todas as suas obras. Publicado em 1880, sendo finalizado apenas pouco antes de sua morte, Dostoievski apresenta uma invenção tão grandiosa que a crítica não consegue defini-la até hoje. Os Irmãos Karamázov engloba de tudo: religião, psicologia, filosofia, moralidade, além da culpa, expiação e relacionamentos vividos por cada personagem... Ou seja tudo aquilo que está inerente ao comportamento humano.”
O mundo estilhaçado e a morte libertadora
LUIZ FELIPE PONDÉ
"SE DEUS não existe e a alma é mortal, tudo é permitido" é um enunciado profundamente racional. Não se trata do lamento de uma mente frágil. Os Karamazov são especialistas na pureza da razão teórica e prática.

Herman Hesse, "Quanto mais envelhecia..."

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Quanto mais envelhecia, quanto mais insípidas me pareciam as pequenas satisfações que a vida me dava, tanto mais claramente compreendia onde deveria procurar a fonte das alegrias da vida.
Aprendi que ser amado não é nada, enquanto amar é tudo.
O dinheiro não era nada, o poder não era nada. Vi tanta gente que tinha dinheiro e poder, e mesmo assim era infeliz.
A beleza não era nada. Vi homens e mulheres belos, infelizes, apesar de sua beleza.
Também a saúde não contava tanto assim. Cada um tem a saúde que sente.
Havia doentes cheios de vontade de viver e havia sadios que definhavam angustiados pelo medo de sofrer.
A felicidade é amor, só isto. Feliz é quem sabe amar.
Feliz é quem pode amar muito. Mas amar e desejar não é a mesma coisa. O amor é o desejo que atingiu a sabedoria. O amor não quer possuir. O amor quer somente amar…

Carla Furtado Ribeiro, Tema Original, "Estória de Silêncio"/"Aldeia", Poema, Música e Voz



A minha aldeia é uma estória de silêncio
Solene, hierático, intenso
Ora altivo, ora raro, ora denso
De que as coisas se pressentem povoadas

Um silêncio de brisas transpiradas
Pelos corpos de chão, de terra, de semente
E de tudo o que no homem faz presente
O mistério das coisas insondável

A aldeia é rua de memórias apeadas
Bordadas a vidrilhos de luar
Um jardim de angemas perfumadas
De um perfume impossível de expressar

São memórias e visões revisitadas
Em cada espiga, em cada tronco,
em cada olhar de desfolhada
Que nos fere de emoção aldeia amada
Que nos deixa o coração a soluçar


Carla Furtado Ribeiro, Tema Original, "Ondular" / "Poema para uma Canção", Poema, Música e Voz



O teu rosto adormecido sobre o meu
As tuas mãos abandonadas sobre mim
E nos meus olhos a beleza dos caminhos
Que juntos vamos caminhando até ao fim.

Estrelas ardentes flutuam no meu peito
Sinto-me noite, uma noite funda assim
Como a corrente de água limpa que transborda
Dessa nascente cristalina que há em ti

Ah! À nossa beira, amor, cresceram flores
Plantadas pelas nossas próprias mãos
O teu corpo de homem novo semeou
O que na minha terra fértil se fez pão

Sibilante a aurora nasce tão quieta
Traz o cheiro e a frescura dos começos
Como tu ao acordar trazes gaivotas
Assinalando tempestade em mares incertos

No teu perfil desenham-se as paisagens
Dos montes, das serras, dos altares
E de todas as coisas altas, fortes e eternas
Com que imprimes de saudade o meu olhar

Ah! À nossa beira, amor, cresceram mares
Veludo azul, azul de navegar
Correntes livres serenando imensidades
Sob o teu rosto no meu rosto a ondular

e.e.cummnings, poemas

e.e.cummings, auto-retrato
Sonetos/Irrealidades

pode não ser sempre assim – digo: e se
seus lábios que tanto amo tocarem
outros lábios
e seus dedos tão queridos
forte comprimirem outro coração
– como o meu, num tempo não distante
se a pele de outro rosto, macios seus pelos
roçarem
num silêncio que bem sei ou
ao som de palavras contorcidas
– em voltas, volutas, rodopios –
desamparadas à face do mar
se assim for – digo: se
assim for – amor,
conta-me em breves palavras
que voarei até ele
para – mãos dadas – dizer:
aceita toda esta alegria
que te dou
e voltando meu rosto hei de ouvir
um canto
de pássaro na distância
infinita das terras perdidas

Tradução: Johnatan Lira 


Chamar a Si Todo o Céu com um Sorriso

que o meu coração esteja sempre aberto às pequenas 
aves que são os segredos da vida 
o que quer que cantem é melhor do que conhecer 
e se os homens não as ouvem estão velhos 

que o meu pensamento caminhe pelo faminto 
e destemido e sedento e servil 
e mesmo que seja domingo que eu me engane 
pois sempre que os homens têm razão não são jovens 

e que eu não faça nada de útil 
e te ame muito mais do que verdadeiramente 
nunca houve ninguém tão louco que não conseguisse 
chamar a si todo o céu com um sorriso 

E. E. Cummings, in "livrodepoemas" 
Tradução de Cecília Rego Pinheiro