Literatura: Escola moderna que se liberta das regras tradicionais da versificação e baseia a poesia no ritmo.
Acerca da Vida e das formas imagéticas da sua compreensão segundo a Arte. (Imitação = "Imago" = Imagem ou Representação)
Ruy Belo, "As Casas"
as casas nascem vivem e morrem
Enquanto vivas distinguem-se umas das outras
distinguem-se designadamente pelo cheiro
variam até de sala pra sala
As casas que eu fazia em pequeno
onde estarei eu hoje em pequeno?
Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?
Terei eu casa onde reter tudo isto
ou serei sempre somente esta instabilidade?
As casas essas parecem estáveis
mas são tão frágeis as pobres casas
Oh as casas as casas as casas
mudas testemunhas da vida
elas morrem não só ao ser demolidas
Elas morrem com a morte das pessoas
As casas de fora olham-nos pelas janelas
Não sabem nada de casas os construtores
os senhorios os procuradores
Os ricos vivem nos seus palácios
mas a casa dos pobres é todo o mundo
os pobres sim têm o conhecimento das casas
os pobres esses conhecem tudo
Eu amei as casas os recantos das casas
Visitei casas apalpei casas
Só as casas explicam que exista
uma palavra como intimidade
Sem casas não haveria ruas
as ruas onde passamos pelos outros
mas passamos principalmente por nós
Na casa nasci e hei-de morrer
na casa sofri convivi amei
na casa atravessei as estações
Respirei –
ó vida simples problema de respiração
Oh as casas as casas as casas
A MÃO NO ARADO
Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará
Ruy Belo, "Helenamente"

Helena de Tróia segundo Evelyn de Morgan, 1898
*
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente A maneira mais triste de se estar contente a de estar mais sozinho em meio de mais gente de mais tarde saber alguma coisa antecipadamente Emotiva atitude de quem age friamente inalterável forma de se ser sempre diferente maneira mais complexa de viver mais simplesmente de ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente de estar num sítio tanto mais se mais ausente e mais ausente estar se mais presente de mais perto se estar se mais distante de sentir mais o frio em tempo quente O modo mais saudável de se estar doente de se ser verdadeiro e revelar-se que se mente de mentir muito verdadeiramente de dizer a verdade falsamente de se mostrar profundo superficialmente de ser-se o mais real sendo aparente de menos agredir mais agressivamente de ser-se singular se mais corrente e mais contraditório quanto mais coerente A via enviesada para ir-se em frente a treda actuação de quem actua lealmente e é tão impassível como comovente O modo mais precário de ser mais permanente de tentar tanto mais quanto menos se tente de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente de estar mais no passado se mais no presente de não se ter ninguém e ter em cada homem um parente de ser tão insensível como quem mais sente de melhor se curvar se altivamente de perder a cabeça mas serenamente de tudo perdoar e todos justiçar dente por dente de tanto desistir e de ser tão constante de articular melhor sendo menos fluente e fazer maior mal quando se está mais inocente É sob aspecto frágil revelar-se resistente é para interessar-se ser indiferente Quando helena recusa é que consente se tão pouco perdoa é por ser indulgente baixa os olhos se quer ser insolente Ninguém é tão inconscientemente consciente tão inconsequentemente consequente Se em tantos dons abunda é por ser indigente e só convence assim por não ser muito convincente e melhor fundamenta o mais insubsistente Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente O mar a terra o fumo a pedra simultaneamente
Subscrever:
Mensagens (Atom)